Entrevista concedida ao historiador FERNANDO RANGEL, em julho de 2005 por ocasião do evento 'SANTA TERESA DE PORTAS ABERTAS' .
"...além dos 51 ateliês - que estiveram com as portas abertas para o público e apresentaram as obras de 66 artistas - , acrobacias, apresentações de dança, música e teatro, grafiteiros e um tour pelos morros dos praseres e pereirão também fizeram parte do circuito paralelo. Os organizadores conseguiram atrair esse ano cerca de 30 mil pessoas durante os três dias. (...) , uma dessas atrações off, foi sem dúvida nenhuma a exposição feita pelo artista plástico ALEXANDRE TINOCO, que usou e abusou de materias reciclados e deu um show com as suas obras. De quebra, ele nos concedeu uma entrevista exclusiva para interatual,onde contou um pouquinho de sua história e como começou na arte:
" Eu comecei influenciado pelo meu pai. Meu pai era uma pessoa muito interessante, muito expressiva e ele me passou no dia a dia , no cotidiano de casa, de manhã na hora da ginástica, na hora do papo, que arte era uma coisa comum, que era compatível com o modo de vida comum de classe média baixa.

Meu pai não tinha o ateliê propriamente dito. Desenhava no quarto, na sala, na poltrona, enfim, eu aprendi a ver com naturalidade esse tipo de atividade desde criança, mas ao mesmo tempo era rebelde. Então, eu não sabia ainda, mas eu queria era mesmo uma fusão de dois contrários, de dois estilos.

Mais tarde , eu comecei a perceber que o mundo era feito de fusões, de interdisciplinaridade: Tem o jazz rock, o samba jazz, o black samba soul, emfim, a influência dos cubistas, dos modernistas europeus, em países como o brasil, geravam misturas de valores e eu fiquei mais dividido aí:
Se por um lado eu era beletrista, pictórico, achava que LEONARDO DA VINCI que eu aprendi a gostar quando criança era perfeito, por outro lado, eu tinha um veio modernista. Eu achava que havia de ter uma desconstrução, algum tipo de quebradura, de ruptura entre o estabelecido e o momento presente. Eu sempre busquei isso. A perfeição renascentista e ao mesmo tempo a rebeldia moderna.

Quando conheci MARIA TERESA VIEIRA, em 93, eu tive essa oportunidade, porque eu já fazia cartazes que eram até bem comportados, e ao mesmo tempo o trabalho dela era exatamente isso. Eram manchas de cor, aguadas, até com materiais bem insólitos, como betume e graxa, e ao mesmo tempo tinha uma correção de estilo, uma continuidade, uma unidade impressionante!

Foi daí que comecei justamente a desenvolver isso que eu faço hoje que é uma linguagem fragmentada. Eu uso pedaços, trechos de uma camada subjacente, que geralmente é material reciclado ( já impresso) , onde cobrindo o material com novas camadas de tinta, eu consigo mesclar, como se fosse uma colagem ao contrário, onde as partes aplicadas estão por baixo. Eu consigo mesclar essas partes já prontas, feitas por mim ou já impressas, a um resultado de cor, a um conjunto.

Também tive como influência POLLOCK, eu achava a soltura do gesto dele fantástica, a própria MARIA TERESA VIEIRA também.

Com isso, posso dizer que por exemplo, já fiz inúmeros cartões postais durante uns dez anos, que aliás, eu vendi meus cartões durante dez anos nas ruas do rio de janeiro, e isso acabou me dando uma experiência muito grande em nível de cartões em formatos pequenos - e um 'felling' de ver o que realmente as pessoas gostam. Como os olhos delas brilham quando vêem determinada cor, se querem entender, se querem gostar-, por isso o meu formato predileto é o formato pequeno. ( antes disso fazia programação visual de cartazes de eventos. primeiro na faculdade, depois em outros lugares, shows, debates etc.)

Em 2001 fui protagonista da esposição
MONOGRAVURAS no ESPAÇO CARAVELAS em botafogo no Rio de Janeiro.

Em 2002 eu fiz a exposição ABSTRATO CONTEMPORÂNEO na loja FAVELA HIPE em santa teresa, também no Rio. Combinei com a dona da loja na época, que colocaria somente quadros pequenos - Que na verdade eram cartões postais pequenos que de 100 eu selecionava 3 .
Só que quando eu percebi eram quatro paredes e eu precisava de quadros grandes de imediato. Foi aí que eu dei um salto de qualidade, um salto de formato, inventando praticamente uma pintura realizada apenas com solvente. Ou seja, desbotar, ao invés de só acrescentar tinta por cima e deixar os fragmentos como eu disse antes, desbotar usando o próprio material desfeito como tinta a grosso modo.

Então eu comecei a passar gasolina em cima de peças de plástico impressas, eram materias de campanha eleitoral novos, que já desde o início eu achava um lixo. Depois o governo considerou que era lixo também, e na eleição seguinte quando eu já tinha espalhado por Santa Teresa inteira que pintar com gasolina era viável, já não havia mais esse tipo de propaganda.
Estou expondo hoje, em casa,na sala uma coletânea meio retrospectiva que vai desde os quadros de 2002 feitos com gasolina até trabalhos mais recentes, que não são reciclagem. Nesse caso eu tapo toda a superfície, e a técnica que eu utiliso chama-se MONOTIPIA.

Na verdade, monotipia é o que? É uma monogravura: Eu carimbo uma vez, só que são vezes sucessivas, é uma vez várias vezes sobrepostas. Uma vez por cor, com várias espátulas, objetos de borracha etc. Vou sobrepondo impressões carimbadas e já dispenso às vezes, isso é o que está rolando atualmente, Sem o fragmento do que está embaixo. Nesse caso, a estampa já impressa serve como pretexto para o início do processo criativo -" É muito difícil voce ter um quadrado branco e começar do nada."

Antes de descobrir essa reciclagem, essa mescla ou fusão entre GRÁFICO e PLÁSTICO, eu simplesmente fazia uma bobagem qualquer e depois cobria. - "Consertando o erro do início eu conseguia começar: Agora não, eu já começo com um fluxo determinado de imagem, com o rítmo da programação visual da peça gráfica que eu estou reciclando! (...).


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